A contraofensiva dos idiotas

A contraofensiva às instituições de ensino superior públicas não deveria ser surpresa a quem vivencia a era da anti-política, do culto à ignorância como virtude democrática e da barbárie. Sendo as Universidades ambientes onde Jair Bolsonaro e seus apoiadores jamais foram prestigiados e há uma grande rejeição às suas ideias, não apenas por uma questão civilizatória, mas também porque o ambiente nunca foi propício à proliferação de princípios conservadores (ou reacionários), a alternativa era sucatear as instituições de ensino superior públicas atacando um de seus pilares: a pesquisa científica.

E por falar em pesquisa, o referencial teórico dessa perspectiva tacanha é a ideia de que as Universidades e intelectuais têm grande estima pelo comunismo e por isso orquestram uma verdadeira revolução cultural, nos termos propostos por Gramsci. Essa compreensão é disseminada por quem se tornou o principal pensador da direita brasileira, Olavo de Carvalho, para quem, após o fracasso das previsões marxistas de que a humanidade entraria em uma marcha inexorável rumo ao socialismo, já que o proletariado foi hostil às ideias revolucionárias e aproximou-se dos interesses capitalistas, o que levou os teóricos coletivistas à conclusão de que era necessário modificar primeiramente a mentalidade para transformar a condição social e não o contrário. Para perseguir esse objetivo, os esforços da intelectualidade se voltaram contra a estrutura da civilização ocidental, com ações que consistiam em promover alterações na cultura, destruir a fé religiosa e a linguagem.

Surge, então, o termo marxismo cultural para definir uma tendência acadêmica desenvolvida inicialmente por Lukács e Bloch, tendo ganhado impulso entre 1920 e 1970 e que foi bem melhor interpretada por Merquior (que a denomina de marxismo ocidental) e a explica como um pensamento marxista não-soviético que se interessa majoritariamente pela cultura, criticando tudo que possibilitou o desenvolvimento da civilização burguesa, sustenta que a tarefa do proletariado é a recriação da comunidade como fenômeno cultural (não mais social) através da hegemonia (predomínio social antecedente ao predomínio político, ao contrário do que tentaram os revolucionários soviéticos) que tem nos intelectuais seu principal personagem para promover as alterações necessárias em uma sociedade urgentemente necessitada de redenção e que, após 1970, com o esgotamento das teorias sobre esse pensamento, se tornou uma forma de contracultura institucionalizada, especialmente com o fim da Cortina de Ferro, que significou o triunfo do capitalismo e enfraqueceu ainda mais o socialismo e o comunismo como sistemas econômicos implementáveis, tornando o desconstrucionismo cultural a única abordagem viável para manter os ideais coletivistas vivos.

Em assim sendo, atualmente os conservadores acreditam sinceramente que há um processo em andamento que pretende a destruição da família tradicional, da religião, da heterossexualidade, do gênero humano, enfim, uma ofensiva contra o mundo como o conhecem e o valorizam, e cujo gérmen está nas Universidades públicas, que permitiram a colonização da ciência pela política e onde há pouco espaço para pluralidade ideológica (até pouco tempo atrás era difícil que pessoas conservadoras  se assumissem politicamente nas instituições de ensino superior públicas, já que isso significa um verdadeiro suicídio social – e não sem razão em um país onde os pretensos expoentes do conservadorismo se tornaram porta-bandeiras da barbárie civilizatória).

Para combater essa tendência, organizaram-se estrategicamente para eleger os candidatos que se opunham às legendas tradicionais e defendiam as pautas que estavam em processo de desconstrução, alçando aos Poderes Legislativo e Executivo os bárbaros da República, que adotam a incivilidade como método político e institucionalizaram a violência, dando ares de legitimidade democrática a grupos cujos interesses são pouco louváveis, pois o que existe, na verdade, é a não superação de um cenário de Guerra Fria, imensa desconsideração com ideias de justiça social, um total descompromisso na promoção de uma sociedade de livres e iguais, um neomacartismo da pior espécie e, por fim, um profundo ressentimento daqueles que jamais serão prestigiados – em virtude de sua pequeneza intelectual e humana – em um ambiente acadêmico. E apenas o manto da austeridade mal direcionada seria capaz de mascarar tamanha alucinação coletiva. 

Cem dias de muito trabalho

A minha vontade de entrar na vida política nasceu da minha experiência enquanto médico do SUS. Podemos fazer muito na medicina pública, mas não podemos resolver todos os problemas, infelizmente. Ser deputado estadual me possibilita encarar as dificuldades com uma visão global. É desta forma que tenho pautado o meu mandato: tentando olhar os problemas do nascedouro à possível solução. Conquistar o mandato de deputado estadual era um dos meus maiores sonhos.

Assim que recebi a notícia da vitória, comecei a buscar conhecer mais o parlamento, comecei a conversar mais com os que ali estavam. Comecei a aprender e ajustar as minhas expectativas mais românticas em linhas mais reais de trabalho. Isso diminuiu em nada a minha vontade de executar o melhor trabalho possível, mas me ajudou muito a permanecer em contato com a realidade das coisas, para não perder a concentração com situações adversas e normais que usualmente afetam os mais ansiosos. Aprender com meus erros, mas também aprender bastante com os erros alheios, sempre fez parte da minha metodologia de trabalho. Ouvir mais no começo, para poder falar mais adiante, foi assim que consegui chegar aqui. Nas vezes que me afastei dessa política interior, colhi resultados desfavoráveis.

No primeiro dia de trabalho, queria homenagear um pouco a minha própria trajetória. Minha única passagem pela gestão pública foram 7 meses como diretor do Socorrão 1. Depois de alguns erros e muitas injustiças que me invisibilizaram por 4 anos, voltei ao jogo. Era preciso fazer algo impactante e que fosse verdadeiro para mim.

Lembrei do que tinha me colocado no cenário da vida pública, justamente a campanha de arrecadação de insumos para o hospital. Lembro que alguns opositores da prefeitura tentaram macular a beleza da ação das pessoas que ajudaram dizendo que a iniciativa era imoral ou ilegal, tanto faz, estavam errados, mas eu sentia a necessidade de dar uma efetiva resposta. A partir daí, criei o projeto de Lei de Incentivo à Saúde no primeiro dia mandato. Posteriormente, encaminhamos para o Governador apresentar o projeto, pois a Constituição diz que é dele a prerrogativa. Estamos acompanhando a tramitação e estimulando o governo a agilizar os procedimentos de implementação da lei. Acredito que a iniciativa privada pode somar esforços para resolver os problemas mais urgentes do SUS.

Em outra ponta, uma outra preocupação minha sempre foi o atendimento ao câncer no Maranhão. Não sei direito explicar o motivo pelo qual a doença câncer desperta em mim uma atenção profunda, não sei se medo ou vontade de vencê-la, por ser patologia algumas vezes de tão grande vilania. O fato é que sempre acompanhei a situação difícil das instituições que promovem o atendimento ao câncer no país.

Transferindo isso para nossa realidade, acompanhei a via crucis do Hospital Aldenora Bello de perto e, no momento de grave crise em 2019, propusemos ao Governo do Estado a correção do texto do Fundo Estadual de Combate ao Câncer para desfazer alguns equívocos da Lei e, assim, proporcionar que o Fundo seja utilizado sem nenhuma contestação judicial. Havia muitas ameaças legais à lei já sancionada.

Trabalhei muito tempo na Baixada, senti as dificuldades do transporte de ferry-boat na pele. Embarcações malconservadas, passagens caras, sistema de marcação de bilhetes ineficaz. Por vezes, para poder chegar a meu plantão, precisava recorrer a favores para conseguir embarcar, mas sempre pensei: e quem não tem acesso? O que vai acontecer com os pacientes do outro lado da travessia? Sabemos que as doenças não esperam, então, pra garantir a chegada dos profissionais do outro lado, já que parece invencível a falta de padrão de trabalho das prestadoras de serviços de ferry, a despeito do trabalho da MOB e do Procon, apresentamos o PL que trata sobre o embarque prioritário de profissional de medicina ao transporte aquaviário, para que a população da Baixada não fique sem médico por qualquer imprevisto na travessia São Luís/Cujupe. Infelizmente, foi necessário legislar para sanar uma óbvia falta de qualidade dos serviços das concessionárias de serviços de transporte aquaviário.

No que tange à segurança pública, sempre considerei que é mais fácil vencer o crime com informação em detrimento da truculência repressiva. O caminho para vitória contra os bandidos é ataca-los no coração de seus planos criminosos. Por isso, a presentamos um projeto que garante o pagamento de recompensa por informações que auxiliem a polícia nas investigações criminais. Contudo, sem olvidar da necessidade de melhorar a qualidade das nossas próprias ações repressivas, ainda necessárias, buscamos fortalecer a qualidade da nossa PM, com um projeto que destina 20% das vagas dos concursos da PM e do Corpo de Bombeiros para egressos dos colégios militares. Essas escolas inserem os alunos muito precocemente na rotina do militarismo e com a disciplina clássica deste, o aprendizado tem alçado resultados positivos e muito acima da média das escolas públicas do Maranhão. Acredito que os alunos destas escolas estarão bem preparados para fazer da PM e Corpo de Bombeiros, corporações cada vez mais sólidas em conhecimento técnico e humanização.

Ainda sobre essas instituições de ensino básico que são referência em educação, criei outro projeto de lei que destina 20% das vagas oferecidas pelas escolas militares para alunos oriundos das escolas públicas maranhenses, para oferecer a oportunidade de que crianças e adolescentes que não têm uma educação tão boa possam estudar em escolas públicas de excelência e, se assim quiserem, ingressar na carreira militar futuramente.

Quando estava de fora do processo político-eleitoral, sempre imaginei uma forma de fazer com que cidadãos da ponta da sociedade pudessem participar do processo legislativo. Na nossa Constituição Estadual já há a previsão de lei de iniciativa popular, mas pensei em uma forma de permitir ao povo mudar a própria Constituição e por isso apresentei uma PEC para que as pessoas possam propor alterações na constituição estadual. É a PEC DA INICIATIVA POPULAR.

A missão de um parlamentar é legislar, mas acima de tudo, defender aqueles que lhe confiaram o mandato. Num estado como o Maranhão, onde a imensa maioria das pessoas não tem condições de pagar um advogado para ter acesso ao sistema de justiça, é fundamental fortalecer a Defensoria Pública Estadual (DPE). Empoderar aqueles que defendem os mais humildes nos levou a propor outra importante mudança na Constituição Estadual: é a PEC DA DEFENSORIA PÚBLICA, fruto da parceria e do diálogo do nosso mandato com a DPE. Vamos ampliar o rol de legitimados com competência para propor ADI ante o Tribunal de Justiça, legitimando o Defensor Público-Geral do Estado como propositor desse tipo de ação.

No entanto, nem só de projetos de lei e emendas à Constituição é feito o nosso mandato. Temos atuado também nas comissões permanentes da Assembleia Legislativa do Maranhão, com destaque para a Comissão de Constituição e Justiça e a Comissão da Saúde, que, em defesa da sociedade, já fui o relator de dezoito projetos de lei, uma moção e um projeto de resolução legislativa. Enfatizo a relatoria do projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo que tratava sobre o empréstimo para o pagamento de precatórios, e que foi um grande desafio enfrentado por nós informar adequadamente os cidadãos sobre a necessidade do Estado em cumprir com suas obrigações, especialmente as decorrentes de condenações judiciais.  

Na presidência da comissão de Assuntos Municipais e Desenvolvimento Regional, propus a realização de Audiência sobre os problemas da Ilha de São Luís. Ainda na mesma comissão, iniciamos o Grupo de Trabalho para discutir a questão dos abatedouros no Maranhão em parceria com a AGED, SUVISA e demais órgãos. Importante lembrar também da nossa participação no PL do Habitar Centro, com emenda que endureceu a penalidade imposta a quem eventualmente tentar fazer mau uso do benefício fiscal da lei.

Na vice-presidência da comissão de Saúde, fiz importantes relatorias e mediei a solução da suspensão das atividades do Hospital Geral de Matões do Norte; também ajudamos suspender a paralisação do serviço de SPA do Hospital Aldenora Bello; retomamos a discussão das 30h enfermagem no estado; fizemos uma Sessão Especial em prol da Fundação Antonio Dino e Hospital Aldenora Bello; emendamos o projeto de lei que reestruturou o Conselho Estadual de Saúde. Emendamos o projeto do RG+, colocando a obrigatoriedade do registro das alergias no documento e regulamentando o preenchimento das condições de Saúde. Na comissão de segurança pública, temos dialogado com as diversas categorias responsáveis pela segurança pública no Estado.

Foram 100 dias ininterruptos de muito trabalho e realizações, que me fazem ter certeza que podemos fazer um grande trabalho pelo Maranhão. Que venham muitos dias mais!

A República dos Valentões

Crédito: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Em 1999, Justin Kruger e David Dunning, pesquisadores americanos, publicaram um artigo no Journal of Personality and Social Psychology intitulado “Unskilled and Unaware of It: How Difficulties in Recognizing One’s Own Incompetence Lead to Inflated Self-Assessments“, que se pode traduzir como “Incompetente e desavisado da própria limitação: Como as dificuldades de alguém em reconhecer a própria incompetência conduzem-no a um julgamento exagerado das próprias capacidades”. Esta pesquisa veio-me à memória pelo desenrolar das recentes notícias dos cortes no orçamento do Ministério da Educação, da ordem de R$ 7.4 bilhões.

Com a posse do presidente Bolsonaro, houve um movimento de instrumentalização do Ministério da Educação com fins ideológicos como nunca visto antes. Primeiro, o então Ministro Vélez Rodriguez, nomeado sem qualquer experiência de gestão exitosa em seu curriculum, aparelhou  os quadros da pasta com ex-alunos de Olavo de Carvalho e servidores militares, iniciando uma verdadeira disputa interna que discutiu: marxismo no ENEM,  Escola sem Partido, hino nacional na escola, porém esqueceu-se de discutir temas verdadeiramente relevantes, tais como: investimentos em educação, indicadores acadêmicos, Plano Nacional de Educação e o destino do FUNDEB.

 Vélez afirmou que “a ideia de universidade para todos não existe”. Com essa concepção pseudomeritocrática tão típica do bolsonarismo, aqueles que não dispõem de meios para tornarem-se “elite intelectual” em tempo hábil, estariam fadados a serem trabalhadores de linha de produção.  Vélez, como o leitor já sabe, foi substituído por Abraham Weintraub, economista e gestor financeiro, com mestrado na FGV. Este, logo após a posse, agindo como mensageiro de Paulo Guedes no MEC, anunciou um corte de 30% em recursos destinados às Universidades Federais, afirmando que os campi seriam produtores de “balbúrdia”. Elegeu três inimigas:  a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Com a reação imediata dos reitores e da comunidade acadêmica, ao invés do recuo no corte, Abraham ficou mais confortável para  estender a “tesourada” em diferentes proporções a todas as instituições de ensino superior federais do país.

Antes disso, o ministro já havia feito a profecia apocalíptica de esvaziar os cursos de Filosofia e Sociologia, que segundo sua visão, em nada contribuem para a sociedade sobre o prisma econômico e que custariam caro aos contribuintes. A tônica do discurso de Weintraub tem sido, desde a posse, a repetição de mentiras levadas ao extremo para produzir fakenews em escala continental, à semelhança nazista.

Na contramão da suposta redução de verbas das ciências humanas para os cursos técnicos, o Instituto Federal de Tecnologia do Maranhão (IFMA), foi “premiado” com uma redução de 38% do orçamento (28 milhões de reais)e passa a ter ameaça de fechamento de suas atividades no segundo semestre. Na Universidade Federal do Maranhão, a situação é igualmente desalentadora. O MEC tem insistido na tese de que estes recursos das universidades federais serão realocados para o ensino fundamental, que proporcionalmente é menos financiado que o ensino superior. “Um estudante universitário custa 3 vezes um estudante do ensino fundamental”, disse Weintraub recentemente em entrevista.

Ainda insatisfeito com a repercussão de suas declarações anteriores, o ministro da Educação chamou o FIES, que ampliou as vagas de ensino universitário no país, de “desastre”. A comunidade cientifica internacional reagiu, criando um manifesto contrário ao desmanche do ensino superior brasileiro, assinado por intelectuais de Harvard, Princeton, Yale, Cambridge, Berkeley e de várias instituições brasileiras. O documento reforça que “as ciências sociais e as humanidades não são um luxo” e defende que “nas nossas sociedades democráticas, os políticos não devem decidir o que é a boa ou a má ciência”. Diante disso, o governo recuou. Uma nota do MEC disse que não haverá corte, mas sim um contingenciamento de gastos. Condicionou a liberação da verba para as instituições de educação superior à aprovação da reforma da Previdência. A barganha do governo Bolsonaro chegou ao nível de colocar em risco a produção científica brasileira.

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior (ANDIFES) mostrou que os bloqueios não pouparam nenhum dos níveis da educação. O MEC bloqueou R$ 146 milhões dos R$ 265 milhões previstos inicialmente, para construção ou obra em unidades do ensino básico. Em relação ao ensino técnico, vitrine do “bolsonarismo-olavete”, todo os recursos previstos para Pronatec, cerca de R$ 100 milhões, foram bloqueados. A desestruturação do sistema de ensino é evidente, não apenas por contingenciamento de verbas, mas por metodologia de trabalho da gestão de Jair Bolsonaro. Há um perigoso entendimento por parte do Governo Federal de que ensino fundamental e superior são antagônicos, porém é evidente a complementariedade entre ambos. É indispensável garantir aos professores do ensino fundamental pleno acesso à universidade de qualidade, para que possa formar adequadamente as crianças e reverter os indicadores ruins que o Brasil tem, especialmente do atraso escolar de jovens. É fundamental garantir a retomada dos investimentos para a educação, pois com a desaceleração do nosso crescimento demográfico, a tendência é de redução da base da pirâmide e alargamento do ápice, com menos pessoas aptas a sustentar uma crescente massa de aposentados. A continuar como estamos, seguindo a correnteza deste rio de ideologias radicais, num barco guiado por valentões arrogantes que acreditam que muito sabem, porém pouco de fato conhecem, caminharemos para o desmanche completo das conquistas de longa data, dos marcos históricos, da chance de um futuro para este colosso chamado Brasil,  cada vez mais distantes dos ideais democráticos. Este é o naufrágio que nenhum de nós aceitará!

O estranho Reino dos homens-máquina

Outro dia, tive um sonho estranho. Sonhei que estava em viagem de avião, um bimotor fabricado em 1968. Atravessando uma área de floresta, começamos a perder altura… subitamente, o piloto da aeronave nos avisou que estávamos em queda e que haveria necessidade de realizar um pouso de emergência no meio da mata. Fechei os olhos, comecei a rezar. Lembrei de casa, da minha família, preparei o corpo em posição de impacto…de repente, um estrondo e um barulho gigantesco: pensei que seria o fim. Apaguei… minutos depois, acordei, com a cabeça ensanguentada e dores por todo o corpo. A tontura tomava conta de mim e fiquei, por alguns minutos, sem saber se o que eu vivia ali era sonho ou realidade. Era como se fosse um sonho dentro de um sonho. Perdi a noção do tempo.

Ouvi sirenes de resgate. Àquela hora, o Sol já ameaçava se por. Com lágrimas e sangue nos olhos, invadido por dores intensas na coluna, tomado pela taquicardia reflexa do trauma, entendi que havia sobrevivido. Sim, Deus tinha me dado mais uma chance. É incrível como um filme inteiro passa na sua cabeça, com o peso dos erros acossando o mais ínfimo espaço das boas memórias, com as lembranças das omissões e transgressões maltratando a última sinapse do seu corpo. Estava atônito no momento em que chegou o resgate. Uma voz robotizada chamou por mim e disse:- te levaremos conosco agora. Abri os olhos e ali vi dois homens-de-lata.

Colocaram-me com relativo cuidado numa espécie de maca. Meus ossos doíam. Não acreditava no que estava acontecendo, comecei a ficar nervoso. Clamava para que localizassem minha família. “Acalme-se!” , diziam. Levaram-me para uma espécie de carro que flutuava, uma ambulância ultramoderna, movida por algum tipo de magnetismo de alto desempenho. Fecharam as portas do super-veículo e , alguns minutos depois, chegamos à cidade deles. Pedi um remédio que tirasse de mim aquela dor. Aplicaram-me, então, uma injeção. Como se fosse mágica, a minha dor passou e consegui levantar. Limpei o sangue da testa, do rosto. Comecei a andar com meus dois salvadores-de-lata.

A cidade era enorme, como se fosse um grande parque industrial, vi fábricas de todos os tipos, muita fumaça saindo pelas chaminés. Atravessamos uma ponte suspensa por gravitação. Embaixo, havia um rio escuro, parecia pura poluição em movimento. Procurei por peixes, tentei localizar vegetação ao longo do caminho. Não vi nada. Incomodado com a paisagem estéril, procurei por algum resquício de grama que fosse. Nada. Asfalto, fumaça, desolação eram tudo em meu campo de visão. Ali, o que eu enxergava era um lugar feio, repleto de homens e mulheres de lata que andavam rápido. Nas costas de cada um, havia um número e uma identificação: robô-mecânico 01, robô-soldador 03, robô-engenheiro 125, robô-mediador de conflitos cibernéticos 250, robô-cirurgião de peças 2112.

Andei mais um pouco com meus salva-vidas robóticos. Percebi no meio da caminhada, na porta do que parecia ser uma escola, mantida num galpão escuro, onde nas paredes havia escritos em sequência, com tinta fosforescente, uma centena de ordens. Verbos no imperativo: seja, faça, calcule, subtraia, some, multiplique… no outro canto do galpão, uma série de frases: é proibido brincar, é proibido conversar, é proibido discutir. No teto do galpão, em letras gigantes, com um traço firme, irretocável, li “É proibido pensar. Sua função é produzir!”.

A sociedade das máquinas celebraria, naquela noite, o recorde de produção de armas de defesa. Foi o melhor resultado de exportações de toda a série histórica. Para chamar os concidadãos robôs, a celebração prometia novas atualizações do firmware e do hardware. Seriam distribuídos 20 toneladas de lubrificantes de última geração, que aumentariam o tempo da jornada de trabalho e reduziria a obsolescência programada das partes metálicas e dos circuitos neurais. Cada homem e mulher máquina trabalhará, a partir de agora, pelo menos mais 5 anos. Para os robôs-dos campos de petróleo, expostos ao Sol e sobrecarga e desgaste de material, as trocas de peça teriam um desconto incentivado pelo governo.

Nada me chamou mais atenção ali naquela “Cybercity” do que os pequenos robôs, em fila, entoando um som que parecia um hino, em uníssono. Lembrei de todas as crianças que conheci, lembrei da minha Cecília e de todas as suas traquinagens. Tive pena daqueles pequenos robôs. Eles não tinham motivos pra sorrir.

Conversei um pouco com meus salvadores. Perguntei a eles por que era assim tão estéril a vida naquele lugar? Por que precisavam viver pelo domínio das ordens? Por que precisavam de tanta produção de armas, se não havia guerras ali? Disseram-me que a sociedade que muito pensa, que tem espaço para críticas ao invés de seguir ordens, lugares assim são berços de subversivos. Que eles poderiam perder o comando do povo- robô e que, se não fosse pelo domínio do medo, um dia poderiam perder o poder. Perguntei, já invadido por um sentimento de vazio, como eles tinham conseguido levar a cabo este plano. Disseram-me, de pronto, em uníssono:

– Eliminamos o pensamento crítico desde cedo em nossas crianças, depois transformamos os jovens robôs em linha-de-produção, dizemos a eles o que devem fazer pela cidadela e assim eles vivem a vida, como parte da engrenagem, como polias em movimento.

Pedi para que me levassem de volta ao local do meu acidente. Assim o fizeram… Agradeci aos dois pelo salvamento, mas tinha que voltar para o meu Brasil. “Talkey!!!”, o mais alto me disse. Despedi-me com um aceno dos meus dois amigos e fiquei a vê-los irem embora. Enquanto isso, percebi nas costas deles os escritos B17-Presidente e PG01-Ministro da Economia.

Acordei…dei um abraço apertado em minha esposa e um beijo bem demorado em minha filha, enquanto pensava “como é boa a vida fora de Cibercity…”

(Em memória de Paulo Freire)

Dois meses de Assembleia

A experiência nos primeiros dois meses de mandato tem sido excelente. Tenho dedicado muitas horas da semana a avançar na organização da equipe, na produtividade do gabinete e na qualidade de atendimento ao público. Fizemos alguns ajustes no nosso time, com o firme propósito de melhorar sempre. Temos feito vários projetos de lei interessantes, levantando discussões importantes para a sociedade e criando mecanismos para melhorar a própria atividade legislativa.

Tenho o cuidado extremo de apresentar projetos viáveis, constitucionais, com possibilidade de se transformarem em leis de eficácia plena. Na minha vida, jamais fiz as coisas pra jogar pra plateia e garanto: jamais o farei. Busquei sempre a melhor formação técnica possível na minha profissão, pra atuar com seriedade e compromisso. Esse é o caminho natural da credibilidade, do reconhecimento.

Com as recentes mudanças na equipe, vamos investir cada vez mais em vídeos curtos, extremamente didáticos, para poder informar as nossas ações a todos que nos acompanham no mandato, pois reconhecemos que a sociedade investe muito dinheiro em nós, políticos.

Minha recompensa é a sensação de cumprir com retidão o meu dever, que é o de construir um Maranhão mais próspero e mais justo. Temos muito pela frente, mas estou convicto que chegaremos longe, com dedicação, verdade e muita energia. É disso que o nosso estado precisa!

Sobre canudos e vilões


Hoje, aprovamos na Assembleia um projeto de lei que acaba com os canudos de plástico no Maranhão. Uma grande onda de revolta contra esses canudos surgiu após o vídeo de uma tartaruga com canudo preso no nariz e , com esse movimento de vilanização do referido objeto, houve uma disseminação de leis em quase todos os estados do Brasil para impedir o uso dos históricos instrumentos plásticos.

Se fui contra a aprovação do projeto de lei? Jamais! Votei a favor, porém há de se tomar cuidados: o primeiro é de evitar soluções à brasileira. Explico…

No Rio de Janeiro, onde o custo de um canudo de papel era , até outro dia , cerca de vinte vezes maior que o de um canudo plástico, o que fizeram os proprietários de bares e restaurantes? Começaram a servir as bebidas em copos de plástico, pois o custo era menor que usar os canudos de papel com copos de vidro. O consumo de plástico, acreditem, aumentou. Talvez, a partir de agora, não entrem mais canudos no nariz de uma tartaruga , mas quem sabe no Rio achem uns copos plásticos no nariz de um animal maior; como no Brasil “até vaca voa”, quem sabe aparece em Ipanema uma baleia agonizante e façamos novos vídeos pra gerar uma nova guerra, contra copos de plástico talvez!

Legisladores amam fazer leis e muitas vezes as fazemos porque não encontramos respostas nos verdadeiros culpados. Criamos dispositivos mágicos para o ordenamento jurídico, de forma a dar vida a objetos inanimados, torná-los nossos inimigos, mas o inimigo real é aquele que ao invés de reciclar o plástico, um material mágico, barato, resistente, reutilizável, que está presente em quase tudo a nossa volta, prefere joga-lo nos terrenos baldios, no meio das dunas, na beira do mar, no mar, nos leitos dos rios, nas bocas-de-lobo, nos pontos de drenagem. O grande inimigo não é a criação do homem e sim a relação do homem-criador com o meio ambiente.

Educação. Educação. Educação. Só ela protegerá as narinas das tartarugas, os alagamentos das vias, o homem do próprio homem. São essas as nossas considerações, Senhor Presidente.