A saga dos coelhos e tartarugas

Ariano Suassuna dizia que “o otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”. A descontar dos idos de 2004 a 2009, passei toda minha vida aqui em São Luís e uma das coisas que me fizeram querer voltar e  inserir-me na política foi a certeza de que a cidade precisava de pessoas com vontade de tirá-la dos anos de atraso que se acumularam, mas com atenção à realidade e resilientes a ponto de não desanimar com a dimensão dos problemas.

             Acompanhando, inicialmente de longe, essa pauta da retirada dos cobradores de 20% das linhas de ônibus, lembrei de uma fábula de Esopo: a do coelho e da tartaruga.  Toda vez que temos um assunto que realmente merece uma atenção maior, por tratar de problemas estruturantes, existe também na política, uma proliferação cada vez maior de coelhos e uma quase extinção das tartarugas.

            Explico: é inegável que o avanço tecnológico chegou com força nos últimos anos e que a tendência de algumas profissões é o desaparecimento. Isso não vai chegar apenas para as profissões que demandam menos anos de ensino formal, pelo contrário, o futuro vai ameaçar também profissões com elevado refino técnico. Cobradores de ônibus, frentistas, arquitetos, advogados e até mesmo algumas especialidades médicas, dentre tantas outras profissões, têm risco aumentado de desaparecer. Na contramão, novas profissões vão surgir. Assim tem sido a humanidade. Em tempos mais distantes, as carreiras militares eram as mais necessárias, pois vidas eram perdidas em série nos campos de batalha. Hoje, sem grandes guerras, os exércitos foram “reprofissionalizados”, a ponto de termos militares construindo estradas ao invés de estarem disparando fuzis.

            Na política, o principal ativo é o bom senso e, algumas vezes, ele é o maior inimigo do senso comum.  A opinião pública é um dos nossos instrumentos balizadores de ações. Porém, não deve ser o único. É preciso, muitas vezes, para fazer um trabalho com bases estruturantes, enfrentar o contrassenso das vaias de alguns pra fazer o que de fato é bom para a maioria. Vencer os interesses corporativos para ampliar benefícios públicos. Os coelhos da modernidade política (cada vez mais líquida), diferente dos que comem cenouras, hoje alimentam-se de holofotes. Quando surge uma pauta como a dos cobradores, muito mais do que jogar para a plateia, o fundamental é buscar entender os problemas de fato, conversar com todos os envolvidos e dimensionar os argumentos e recolocá-los como propostas de soluções.

            Hoje, temos uma cidade de 407 anos, com mais de um milhão de pessoas, 350 mil automóveis, 1200 ônibus em circulação, uma tarifa de integração de R$ 3,40 (que sustenta a gratuidade para 1 de cada 3 usuários), vias públicas malconservadas, transporte alternativo sem fiscalização, fraudes na emissão e utilização de cartões de transporte, empresas de ônibus operando no vermelho e, mesmo assim, a classe política opta por duas posições apenas: a lentidão das tartarugas, quase omissiva ou a completa afobação de alguns coelhos, na ânsia de garantir espaço nas mídias a fórcipe defendendo empregos que inevitavelmente irão ser reduzidos, sem analisar a fundo a situação de colapso do sistema.

            Sistemas de transporte de qualidade custam dinheiro, muito dinheiro. Ou você racionaliza o sistema, mexendo nos custos operacionais ou você aumenta a receita com tarifa mais alta ou a prefeitura concede subsídio às empresas. Qualquer outra fórmula é retórica e a retórica desacompanhada de soluções é geralmente catastrófica, porque atrasa o horário de tomar o remédio. A Prefeitura de Curitiba destina 90 milhões por ano às empresas. São Paulo injeta 2 bilhões por ano… vejam vocês: 2 bilhões por ano ao sistema de transporte público.  Se a tarifa em São Paulo não fosse subsidiada, custaria R$ 7,00 reais ao invés de R$ 4,30. São Luís, no curto prazo, não conseguirá aportar subsídios ao sistema. Como sei?  Uma rápida consulta ao site da Secretaria de Tesouro Nacional mostra que a nota CAPAG de São Luís (indicador da liquidez financeira e capacidade de pagamentos) é “C”, a pior possível.

            Com a queda das transferências obrigatórias por conta da crise e a retração da atividade econômica local, nossa prefeitura faz contorcionismo para pagar os salários em dia, mas se mantivermos essa sina de arrecadar pouco e investir quase nada na cidade, corremos o risco do colapso completo, atraso de salários e amplificação da crise. E aumentar as tarifas? Nem o próprio Sindicato das Empresas de Transporte deseja isso. Desde a licitação, a receita do sistema já caiu 21%. São menos passageiros nos coletivos, desde o surgimento de UBER e similares, além do crescimento desenfreado dos transportes alternativos e piratas.  Se menos pessoas andam de ônibus com tarifa de R$ 3,40, imagine o esvaziamento se elevássemos pra 4 reais? Haveria mais fuga de passageiros e as empresas antecipariam a quebradeira. Resta ao empresariado, para manter o negócio vivo, garantindo a maioria dos empregos, apenas a busca por formas de reduzir custos e a redução do número de cobradores é , infelizmente, uma dessas medidas.

Se a retirada de 500 profissionais da função de cobradores é ruim, a quem interessa a falência das empresas de ônibus, que jogaria não apenas 500, mas 7500 profissionais nas trincheiras do desemprego? Se os coelhos não cabem neste momento em que a lucidez é fundamental, também não nos servem as tartarugas, pois em tempos difíceis, as atitudes firmes e ágeis também se fazem cada vez mais necessárias.