A contraofensiva às instituições de ensino superior públicas não deveria ser surpresa a quem vivencia a era da anti-política, do culto à ignorância como virtude democrática e da barbárie. Sendo as Universidades ambientes onde Jair Bolsonaro e seus apoiadores jamais foram prestigiados e há uma grande rejeição às suas ideias, não apenas por uma questão civilizatória, mas também porque o ambiente nunca foi propício à proliferação de princípios conservadores (ou reacionários), a alternativa era sucatear as instituições de ensino superior públicas atacando um de seus pilares: a pesquisa científica.
E por falar em pesquisa, o referencial teórico dessa perspectiva tacanha é a ideia de que as Universidades e intelectuais têm grande estima pelo comunismo e por isso orquestram uma verdadeira revolução cultural, nos termos propostos por Gramsci. Essa compreensão é disseminada por quem se tornou o principal pensador da direita brasileira, Olavo de Carvalho, para quem, após o fracasso das previsões marxistas de que a humanidade entraria em uma marcha inexorável rumo ao socialismo, já que o proletariado foi hostil às ideias revolucionárias e aproximou-se dos interesses capitalistas, o que levou os teóricos coletivistas à conclusão de que era necessário modificar primeiramente a mentalidade para transformar a condição social e não o contrário. Para perseguir esse objetivo, os esforços da intelectualidade se voltaram contra a estrutura da civilização ocidental, com ações que consistiam em promover alterações na cultura, destruir a fé religiosa e a linguagem.
Surge, então, o termo marxismo cultural para definir uma tendência acadêmica desenvolvida inicialmente por Lukács e Bloch, tendo ganhado impulso entre 1920 e 1970 e que foi bem melhor interpretada por Merquior (que a denomina de marxismo ocidental) e a explica como um pensamento marxista não-soviético que se interessa majoritariamente pela cultura, criticando tudo que possibilitou o desenvolvimento da civilização burguesa, sustenta que a tarefa do proletariado é a recriação da comunidade como fenômeno cultural (não mais social) através da hegemonia (predomínio social antecedente ao predomínio político, ao contrário do que tentaram os revolucionários soviéticos) que tem nos intelectuais seu principal personagem para promover as alterações necessárias em uma sociedade urgentemente necessitada de redenção e que, após 1970, com o esgotamento das teorias sobre esse pensamento, se tornou uma forma de contracultura institucionalizada, especialmente com o fim da Cortina de Ferro, que significou o triunfo do capitalismo e enfraqueceu ainda mais o socialismo e o comunismo como sistemas econômicos implementáveis, tornando o desconstrucionismo cultural a única abordagem viável para manter os ideais coletivistas vivos.
Em assim sendo, atualmente os conservadores acreditam sinceramente que há um processo em andamento que pretende a destruição da família tradicional, da religião, da heterossexualidade, do gênero humano, enfim, uma ofensiva contra o mundo como o conhecem e o valorizam, e cujo gérmen está nas Universidades públicas, que permitiram a colonização da ciência pela política e onde há pouco espaço para pluralidade ideológica (até pouco tempo atrás era difícil que pessoas conservadoras se assumissem politicamente nas instituições de ensino superior públicas, já que isso significa um verdadeiro suicídio social – e não sem razão em um país onde os pretensos expoentes do conservadorismo se tornaram porta-bandeiras da barbárie civilizatória).
Para combater essa tendência, organizaram-se estrategicamente para eleger os candidatos que se opunham às legendas tradicionais e defendiam as pautas que estavam em processo de desconstrução, alçando aos Poderes Legislativo e Executivo os bárbaros da República, que adotam a incivilidade como método político e institucionalizaram a violência, dando ares de legitimidade democrática a grupos cujos interesses são pouco louváveis, pois o que existe, na verdade, é a não superação de um cenário de Guerra Fria, imensa desconsideração com ideias de justiça social, um total descompromisso na promoção de uma sociedade de livres e iguais, um neomacartismo da pior espécie e, por fim, um profundo ressentimento daqueles que jamais serão prestigiados – em virtude de sua pequeneza intelectual e humana – em um ambiente acadêmico. E apenas o manto da austeridade mal direcionada seria capaz de mascarar tamanha alucinação coletiva.