Precisamos rever o nosso conceito de vida em sociedade. É fundamental colocar-se no papel de alguém que consegue dimensionar a importância da vida do outro antes de seguirmos aqui na Terra. Com a vivência da solidariedade no dia a dia, não apenas nas palavras, a gente consegue quebrar o monopólio do interesse nas nossas relações diárias.
É claro que a gente não vai eliminar as nossas próprias aspirações, muito menos a vivência da nossa própria vida em detrimento de outra pessoa, mas eu repito que é fundamental ter o interesse alheio, no tocante a seu bem-estar, no desenvolvimento de nossas ações diárias.
Distanciamo-nos tanto disso , a ponto de direitos básicos serem negados das pessoas que nos circundam e consideramos heroísmo quando alguém ajuda o nosso vizinho a conseguir o mínimo: o bem-estar.
Quando eu falo de bem-estar, não trato de prazeres mundanos, luxo ou qualquer tipo de ostentação. Falo de direitos básicos: saúde, educação, assistência social como um todo. As pessoas têm direito de ter acesso ao Sistema de Saúde, de não precisar de um dia de folga pra poder fazer um exame simples. As pessoas têm direito de não precisarem ficar no Sol quente o dia todo aos 70 anos de idade pra ter o mínimo de dignidade na vida. É bonito pra quem vê essa cena, mas não está lá trabalhando. Desidratação, câncer de pele, um monte de coisas que podem acontecer, mas a gente acha legal um senhor de 70 anos vendendo suco por 10 horas do dia e chama-o de guerreiro. Não é bonito… na verdade, acho uma vergonha pra nós enquanto sociedade permitirmos isso. Ele tinha que estar colhendo, o tempo de plantio não era mais pra agora. Ele também não é herói, mas apenas um sobrevivente a toda a exclusão que aqui existe: de alguém que na sétima década de vida não tem uma reserva financeira, de alguém que ganha talvez do governo um salário mínimo que desaparece como água no deserto e precisa vender suco de laranja, como se fosse um menino ainda. Talvez seja esse o lado triste de sua alegria: não ter saído da vida de menino até a velhice, terminar a vida no mesmo lugar onde tudo começou.
Hoje, vendo tanta repercussão da simplicidade do problema de seu Chico, fiquei feliz porque vi o bem se movimentando na cidade, fiquei lisonjeado com a possibilidade de resolver o problema mais imediato dele antes das 8 horas da manhã, mas as nossas ações, ainda tão pequenas, mostram nosso dilema enquanto sociedade: tapamos com migalhas as nossas muralhas e pensamos que nelas estamos colocando rochedos. Acordemos: as nossas bases estão longe de serem sólidas. Hoje, eu poderia estar surfando na onda de uma provável popularidade, mas desejo muito mais pra nós, então me coloco na posição de quem realmente quer enfrentar o problema. Que bom seria se o problema do idoso no Brasil fosse apenas fazer uma endoscopia…